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“Não dá para falar de inclusão digital sem falar de inclusão social”, Percival Henriques

Presidente da ANID Percival Henriques.

Você já imaginou como seria ficar sem internet no atual contexto de isolamento social provocado pela pandemia de Covid-19? Como fazer, por exemplo, compras por delivery, reuniões de trabalho, aulas remotas, ou mesmo acessar serviços públicos como o auxílio emergencial ou o calendário de vacinação nos municípios? Esta é a realidade de quase 40 milhões de brasileiras e brasileiros, conforme aponta a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) divulgada em abril pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE).

Ainda segundo a pesquisa, 43,8% da população “offline” alegou não saber como usar a internet, 31,6% disse não ter interesse e 18% até gostaria, mas não pode pagar pelo acesso ao serviço. Para Percival Henriques, presidente da Associação Nacional para Inclusão Digital (Anid) e conselheiro do Comitê Gestor de Internet do Brasil (CGI.br), tal cenário reforça a percepção de que o problema da inclusão digital no Brasil exige uma reflexão que vai muito além da instalação de antenas e cabos. 

Com experiência de mais de 20 anos na luta pela democratização do acesso à internet, o físico e bacharel em Direito é categórico ao afirmar: 

“Inclusão digital é, antes de qualquer coisa, combate à miséria, acesso aos meios e desenvolvimento social. Não dá para discutir inclusão digital, fibra ótica e 5G com uma pessoa ou uma família inteira em situação de fome”, destaca.

Na opinião de Henriques, o período de pandemia no Brasil tem sido revelador no sentido das desigualdades sociais que perduram e atravessam todas as demais questões de desenvolvimento nacional e de qualidade de vida da população. Segundo ele, de fato houve uma expansão da banda larga pelo Brasil na última década, contudo a forma como os números eram computados, pelo número de celulares conectados, por exemplo, mascarava a permanência da exclusão de milhares de famílias. 

“Logo antes da Copa de 2014, em Itaquera, na Zona Norte de São Paulo, 400 mil pessoas não tinham acesso à internet. Isso porque nunca se fala de Souza, na Paraíba, de Altamira, no Pará. Uma vez comentei sobre a situação do Acre e me disseram que era uma situação ‘fora da curva’. Como assim fora da curva? Então podemos deixar as pessoas do Acre sem o direito de acesso à internet?”, questiona o especialista.

Sobre os desafios para inclusão digital no Brasil, Henriques relembra que no início dos anos 2000 a questão se resumia a levar a internet aos domicílios. A discussão sobre a criação de um Plano Nacional de Banda Larga era o centro das discussões à época. Com o passar dos anos, foi percebido que o acesso à internet não bastava. Era necessário investir também em formas de acesso a equipamentos e programas e, em paralelo, em uma política de letramento digital, isto é, algo que garantisse aos usuários condições de aproveitar os recursos da internet para a transformação de suas realidades locais e cotidianas. Algo que, para o presidente da Anid, passa irremediavelmente pela elaboração e aplicação de políticas públicas.

Nesse sentido, ele defende que a política voltada para inclusão digital não pode, de maneira alguma, ser confundida com assistencialismo. Trata-se, na verdade, de uma política econômica de desenvolvimento nacional capaz de abranger, inclusive, a criação e o fortalecimento de instituições de ensino e pesquisa em regiões pouco assistidas pelo Estado. 

“Quando eu amplio o número de pessoas que daqui há 10 ou 15 anos vão conseguir concluir o curso superior, eu melhoro a base estrutural do país para a economia. Quando eu alimento uma pessoa e ofereço condições dela estudar e virar uma engenheira, por exemplo, eu diminuo um déficit que nós temos de 200 mil vagas na área de engenharia. A médio e longo prazo, é muito melhor você investir para que estudantes virem doutores e doutoras do que montar dez fábricas”, conclui.

Fonte: https://agenciapulsarbrasil.org/nao-da-para-falar-de-inclusao-digital-sem-falar-de-inclusao-social-diz-pesquisador/