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Presidente da Anid fala ao jornal Correio da PB sobre o uso dos dados pessoais na Internet
Matéria publicada no jornal correio da Paraíba em 13 de junho de 2018
Por Luís Eduardo
Algoritmos: pessoas se tornam produto na internet
Você já ouviu falar em algoritmos? Mesmo que você não saiba o que eles são, pode ter certeza que eles o conhecem muito bem. Suas postagens e curtidas nas mídias sociais, um simples cadastro em uma farmácia ou supermercado, ou até mesmo sua voz gravada pelo seu celular sem que você perceba. Todas essas informações são organizadas, segmentadas e vendidas para empresas do mundo todo. Sua vida se tornou um produto que é comercializado a todo segundo. E quer saber mais? Você autorizou tudo isso.
Apesar das primeiras linhas dessa reportagem causarem um certo ‘arrepio na espinha’, é necessário esclarecermos, primeiramente, o que são os algoritmos, e como eles atuam no nosso dia a dia. Para entender melhor esse fenômeno, o presidente da Associação Nacional de Inclusão Digital, Percival Henriques, utiliza uma analogia simples.
“É uma receita de bolo. Você ensina o computador o que ele deve fazer. E isso o ser humano também faz. Só que, somado a imensa capacidade de dados que existem disponíveis, o computador realiza essas operações em milisegundos”.
Na prática, o algoritmo é um sistema que traça o seu perfil, através de seus gostos, preferências, localização e características, e através, da internet, suas informações são repassadas para empresas do mundo todo para diversos finalidades. E como ele tem acesso aos seus gostos? Simples.
“Hoje em dia você está a todo momento dando informações ao seu computador. Quando você curte uma foto ou uma publicação, você está indicando seus gostos. E isso vai desde coisas como a sua orientação sexual, até o fato de você gostar ou não de chocolate, por exemplo”, revela Percival.
Quando colocamos nossas preferências e dados pessoais nas mídias sociais, nós passamos a ser uma mercadoria. Mas afinal, a quem interessa os seus dados? O exemplo mais básico já foi dado no início dessa reportagem. Através do seu perfil de gostos e personalidade, as empresas podem te oferecer anúncios mais apurados. Para Percival, é como atirar uma flecha e depois pintar o alvo. Você sempre vai acertar.
O mais assustador de tudo isso é que você autorizou as empresas a terem acesso a todas essas informações. Ao concordar com os ‘Termos de Uso’, você autoriza as mídias sociais a utilizarem suas informações como elas bem entenderem. Além de fornecer às indústrias da informação o acesso ao microfone do seu celular, a câmera e todas as estruturas que possam lhes fornecer informação.
“Eu confesso que nunca leio os termos de uso. São textos muito grandes. Eu geralmente digo que concordo sem nem ler (risos)”. Você provavelmente se identifica com o relato do estudante Jessé Lucas, de 23 anos. Afinal, ler os Termos de Uso não é uma prática comum, todavia, pode ser essencial para saber o que você está autorizando. É como assinar o contrato sem ler as letras miúdas.
Vigiados pelo smartphone
De acordo com o especialista, um algoritmo de anúncios leva apenas 15 milisegundos para definir que produto vai indicar para seu perfil. Mas se engana quem pensa que os algoritmos que organizam nossas informações servem apenas para nos oferecer anúncios e conteúdos personalizados.
Os casos de como esse algoritmo interfere na nossa vida podem ser bem pitorescos (para não dizer assustadores). “Uma vez eu tava conversando com minha namorada sobre ir para a Praia de Pipa. Falamos sobre pousadas, qual dia seria melhor. E isso o meu celular estava ao meu lado. No mesmo dia, a noite, quando abri meu Facebook vi pelo menos três recomendações de pousadas na Praia de Pipa. Depois percebi que o gravador de voz do meu celular captou nossa conversa e recomendou as pousadas”, revela Jessé.
Percival Henriques confirma que a situação de Jessé é perfeitamente possível. Na maioria das vezes, os aplicativos de navegadores de internet solicitam o acesso ao microfone do celular, bem como à câmera. Dessa forma, os nossos ‘inofensivos’ smartphones podem estar captando tudo que conversamos.
Atuação além do ciberespaço
Porém, se você acha que a atuação dos algoritmos em nossa vida se resume ao ciberespaço, saiba que eles também estão presentes do seu dia a dia. Quando você dá o seu CPF em uma farmácia, por exemplo, pode parecer uma atitude inofensiva, afinal você quer aquele desconto que o atendente está lhe oferecendo. É só o seu CPF, que mal poderia existir?
Acontece que com o seu número de CPF aliado aos dados de suas compras de remédios, é possível traçar um perfil de suas prováveis doenças. Esses perfis são vendidos as empresas de Planos de Saúde, que decidem o valor que vão cobrar a você pelos serviços, de acordo com seu perfil. Se você tem histórico de doenças cardíacas, por exemplo, a empresa que vai te vender um plano de saúde, já tem conhecimento dessa informação, e por isso, cobrará mais caro de você.
O debate sobre privacidade e uso de dados é complexo e exige uma atenção maior. Inclusive na Lei. “Tramita no Congresso há mais de dois anos uma legislação sobre privacidade. Assim como teve a regulamentação do Marco Civil da Internet, é preciso uma regulamentação para o uso de dados”, alega Percival, evidenciando que o poder público precisa intervir na proteção virtual das pessoas.
O advogado Gustavo Rabay, especialista na área de Direito Digital, diz que a Legislação Brasileira de Uso de Dados vem com atraso e explica a origem das leis. “A lei está entrando em vigor aos poucos e de maneira atrasada. Ela existe para proteger o usuário da exploração de dados e foi construída com base na regulamentação européia, que passou a reger todo o mundo, através da Regulação Geral de Proteção de Dados (GDPR)”, disse o advogado.
A GDPR, a qual se refere o advogado, mudou a dinâmica do acesso aos dados dos usuários em todo mundo. Milhares de empresas tiveram que pagar multas por inadequação dos Termos de Uso. “Somente nas primeiras 24 horas de que a regulamentação entrou em vigor foram pagos mais de 12 milhões de euros em multas. As principais empresas taxadas foram o Google e o Facebook”, revelou Rabay.
Dados valem milhões
Não é exagero dizer que seus dados podem valor milhões de reais. No dia 4 de junho deste ano, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) encaminhou ao Ministério Público Federal uma denúncia de que o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) estaria realizando a venda de dados de servidores em contratos que chegavam até a R$ 1,3 milhão. O MPDFT teria obtido uma proposta comercial do Serpro para comercializar os cadastros pessoais com outro órgão da Administração Pública, como a Controladoria-Geral da União, o Conselho da Justiça Federal e o Conselho Nacional de Justiça. Os promotores questionaram a empresa, que se recusou a responder às perguntas.
O lado positivo
Mas será que é possível achar algo positivo em meio a tanta exposição? Percival Henriques garante que sim. “Por exemplo, o Governo quer melhorar o atendimento de saúde em uma região. É só fazer um levantamento de cada paciente, informando a um sistema a sua doença, a idade, a região e outros dados pessoais, e com isso é possível traçar os locais mais afetados, perfis de risco, e consequentemente agir melhor na prevenção e tratamento”, explica.
O capital e o ser humano
Depois de todas as informações que trouxemos para você, leitor, é possível perceber que, apesar deste assunto ser uma discussão recente, ela esbarra em um debate antigo: o capital. Todo o poder dos algoritmos em nossa vida vem com o principal objetivo de nos fazer comprar. De produzir coisas irresistíveis e totalmente personalizadas. É uma nova dinâmica de mercado. Uma nova indústria que se constrói, onde o próprio produto é você.
Evento em CG
A cidade de Campina Grande vai sediar em julho um evento de proteção de dados na internet. O treinamento será realizado para empresários e juristas de todo o Nordeste, e vai contar com a participação de Cláudio Lucena, uma das maiores autoridades em governança de internet em todo o mundo.
Como se proteger?
“Indo pra roça. Se afastando de toda tecnologia”. A afirmação do advogado Gustavo Rabay pode parecer pessimista, mas ele revela os motivos. “Sempre que há coleta e compartilhamento de dados, vai haver monitoramento e comercialização dos mesmos”. Apesar disso, o especialista aponta algumas maneiras de se proteger:
▶ Utilizar senhas complexas e variáveis
▶ Ler os Termos de Uso com bastante atenção
▶ Não clicar em links maliciosos
▶ Evitar programas e sites de monitoramento de dados
▶ Utilizar navegadores seguros ou criptografados