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25 anos do CGI.br:

Pioneiros da Internet no Brasil também ajudaram a estabelecer um modelo de comercialização por meio dos pequenos provedores de acesso

Como tudo começou

Márcia Dementshuk

Qual a relação entre o Sérgio Motta, ex-ministro das Comunicações, o sociólogo Herbert de Sousa, o Betinho, a Embratel, a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) e o início da Internet comercial no Brasil em 1995? Como foi possível criar um Comitê Gestor para viabilizar materialmente um “troço tão esotérico” como a façanha de enviar e receber mensagens entre computadores distantes?

2020. O mundo foi atingido por um vírus letal levando a população ao isolamento residencial; indústrias, comércio, serviços… Milhões de vagas de trabalho fechadas. Cientistas anunciam resultados de estudos. A população anseia por uma vacina, ou tratamento que a permita retomar ao menos uma fração da vida como era. Movimentando os macacos hidráulicos gigantes permitindo que “La nave va” está uma tecnologia tão surreal quanto o filme de Fellini: dados são fragmentados em pacotes; trafegam longas distâncias através de diferentes infovias por ondas eletromagnéticas, cabos coaxiais ou fibra ótica; chegam em milissegundos ao destino e magicamente são decodificados para formar textos, imagens, sons… Mágica, não. É a Internet.

A primeira experiência bem sucedida de transmitir um pequeno texto entre computadores a cerca de 500 Km de distância entre eles foi em 1969. Cientistas da computação estavam na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) e na Universidade Stanford, em Palo Alto, tentando conectar os computadores usando uma linha telefônica. Foi enviada a primeira letra “L”, a segunda, “O” e, antes da terceira, “deu pau” - o sistema caiu. A proeza originou um factoide conhecido na computação, quando os pesquisadores brincaram afirmando que a primeira sentença transmitida seria “lo and behold” - algo como “eis que”, em português. Uma frase de efeito para uma experiência promissora. Na verdade, era para ser: “login”.

Os anos das décadas de 1970 e 1980 iam passando e o experimento de 1969 ganhava os contornos do que seria uma grande rede de computadores conectando várias outras redes de diferentes países do mundo, inclusive o Brasil.

No início de 1995 - Havia uma demanda emergente para adquirir serviços de conexão à misteriosa Internet. Mas o contingente daqueles que nem imaginavam o que se passava era muito maior. À Internet, conectavam-se os acadêmicos, algumas organizações da sociedade civil, estudantes da computação que baixavam os programas nas universidades e instalavam em casa e os hobbystas, pessoas com privilégios de dominarem a tecnologia de redes.

Os micreiros esperavam pelo lançamento de um serviço de conexão à Internet anunciado pela Embratel desde o final de 1994, mas o evento jamais chegava. Havia a alternativa de conexão a ambientes virtuais, os BBS (Bulletin Board System) que, nessas alturas, já acessavam redes que conduziam à Internet. Um deles foi o Alternex, ponto de saída à Internet para mais de 20 mil pessoas, nessa época.

O Alternex foi uma iniciativa do Ibase, Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, fundado por três exilados políticos da ditadura militar: Herbert de Sousa, o Betinho, e os economistas Carlos Afonso e Marcos Arruda. Outras ONGs se valiam do Alternex para compartilharem informações, uma vez que ligações interurbanas eram caras e correspondências demoravam cerca de três semanas para cruzar continentes.

Um dos casos emblemáticos foi a disseminação da verdade sobre a morte do seringueiro Chico Mendes, em 1988, no Acre. A versão oficial de que o ativista, defensor dos seringueiros, havia se suicidado foi desmentida e gerou polêmica internacional com mensagens que saíam de ONGs do Norte do Brasil para outras ONGs pelo mundo, através do Alternex.

O fato é narrado por Carlos Afonso, em entrevista para o livro que narra os primórdios na computação e da Internet “Pássaros voam em Bando”. CA, como é conhecido na comunidade de Internet, contou que a primeira chance de conexão que o Ibase encontrou no Brasil, em 1984, foi o Transdata, um serviço da Embratel: “Em 1985, a Embratel inaugurou a Renpac e melhorou pra nós. Essa é a origem do BBS Alternex. Mas pelas normas podíamos usar a Renpac somente como um terminal, com protocolos OSI, e o que estávamos fazendo era prover acesso a outros usuários e a outros BBS. Tinha gente de várias cidades do Brasil que conectava ao Alternex e daí para outros BBS, mundo afora. Quando a Embratel descobriu, eles passaram a suspender nossa conexão, desligando o circuito Renpac. Volta e meia, Betinho tinha que entrar em contato com Brasília para solicitar a reativação.”

Finalmente, a Internet comercial

Por outro lado, em 1995 já estava em operação no Brasil uma extensa rede acadêmica interligando computadores de universidades e instituições de pesquisa em 15 estados e o Distrito Federal. Era o “bakcbone” da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), uma espinha dorsal de rede conectando esses pontos à nascente Internet global.

A RNP era um projeto que, a partir de seu lançamento em 1989, deu vazão aos esforços de pioneiros em diversas universidades e instituições científicas brasileiras que desenvolviam pesquisas em redes de computação. À esse projeto uniram-se pesquisadores como Liane Tarouco (UFRGS), Demi Getshko (Fapesp), Augusto Gadelha (LNCC), Michael Stanton (PUC-Rio); Tadao Takahashi (CNPq); Paulo Aguiar (UFRJ), entre outros.

A imprensa - principalmente a carioca e a paulistana - demonstrava interesse nas novidades nessa área, não só da RNP como também nas promessas da Embratel de abrir o acesso público à Internet. A Telebras/Embratel monopolizava os serviços de telecomunicações - era a fornecedora dos links dedicados para as conexões interestaduais e internacionais - e desenvolvia pesquisas em transmissão de dados, mas usava o OSI, um protocolo diferente do TCP (Transmission Control Protocol) e o IP (Internet Protocol) no qual a Internet estava estruturada.

Detentora do monopólio, a Embratel posicionava-se como a única candidata para ser a provedora de Internet no Brasil. Num embate para evitar o monopólio e permitir a competitividade no serviço de provimento de acesso à Internet, os pesquisadores em torno da RNP sabiam que o único backbone existente no Brasil, em condições técnicas capazes de abrir o acesso à Internet para o grande público, era o acadêmico.

Assim, oportunamente, o então ministro das Comunicações, Sérgio Motta, estava no Rio de Janeiro e aceitou a um convite de Betinho para um jantar. Nessa noite, com Betinho e sua esposa, estavam CA e Tadao Takahashi, esclarecendo ao ministro a importância de criar um mercado de provedores de Internet e que este era um serviço adicional ao de telecomunicações: usa recursos técnicos das telecomunicações, mas é muito mais do que isso. Serjão entendeu, pois vinha acompanhando o tema na imprensa.

Além disso, no Ministério da Ciência e Tecnologia, estava o então Secretário de Política de Informática, Ivan Moura Campos, quem apoiava a RNP. Ivan (com Tadao) articulava com o então ministro Israel Vargas para a criação de uma normativa para regulamentar o serviço de provimento de acesso à Internet no Brasil.

Assim, no dia 31 de maio de 1995, há 25 anos, foi publicada Portaria Interministerial histórica para a trajetória da Internet no Brasil: a Nº 174/95, que cria o Comitê Gestor da Internet no Brasil, responsável pelas boas práticas da operação da Internet no Brasil como um todo. No mesmo dia, Sérgio Motta assina também a Norma nº 004/95 (Portaria 148, Minicom), que estabeleceu as diferenças entre os serviços de telecomunicações e os de Internet e garantiu condições de competitividade para o nascente mercado dos provedores de acesso e conteúdo à rede.

Por tudo isso, e muitas outras histórias, durante a pandemia em 2020 tornou-se possível assistir em casa a um bom filme online e descobrir “que rinocerontes fêmeas produzem um excelente leite”.