Notícias

TICs e cegos


Em entrevista, Joana Belarmino (UFPB) fala da inclusão no ensino dos deficientes visuais

Joana Belarmino de Sousa é professora do Departamento de Jornalismo da Universidade Federal da Paraiba (UFPB). Até chegar a esse patamar trilhou um caminhou atípico – e singular. Joana nasceu numa comunidade do município de São José do Egito, Pernambuco. Mudou-se para João Pessoa aos seis anos, para estudar no Instituto Adalgisa Cunha, uma escola para cegos. Aos 15 anos a família se mudou em definitivo para a Capital paraibana.

Graduada em jornalismo pela UFPB (1981), desde de 1994 compõe o quadro de professores titulares da instituição. Concluiu o mestrado em 1996 pela mesma instituição e o doutorado em 2004, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Foi uma das criadoras e a primeira coordenadora do Mestrado em Jornalismo da UFPB. Militante da causa da assessibilidade e uma referência nacional na pesquisa sobre o tema, ela criou à partir do mestrado o Grupo de Pesquisa em Jornalismo, Mídia, Acessibilidade e Cidadania – GJAC.

Criado em parceria com o professor Pedro Nunes Filho, o grupo desenvolve pesquisas sobre comunicação, acessibilidade, cidadania, plataformas digitais e recursos tecnológicos, dentre outros tópicos. As Tecnologias da Informação (TICs) são um dos eixos centrais. A professora Joana Belarmino conversou conosco sobre a inserção das TICs como ferramento pedagógica do ensino de deficientes visuais e da importância de uma educação plural, inclusiva e em consonância com os avanços tecnológicos.

Anid: Como você avalia a inserção das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) no processo pedagógico para os deficientes visuais da educação básica?

Joana Belarmino: Penso que as Tics são fundamentais em todas as fases do ensino, e, no fundamental, elas são um excelente recurso complementar, mas não podem substituir o ensino do braille, ou mesmo da alfabetização em tipos ampliados, para os alunos com baixa visão.

Anid: O que melhorou e que ainda falta avançar nesse campo?

Seria prematuro eu dizer o que melhorou nesse campo, o Brasil é muito grande, há um grande número de crianças com deficiência na rede escolar, mas penso que há que se melhorar a formação dos professores, para que tirem o maior proveito possível do uso das TICS. Também penso que o mercado para o desenvolvimento de ferramentas tecnológicas para esse público infantil com deficiência ainda é incipiente, poderiam ser criados mais produtos, poderiam ser criados selos de incentivo e premiações. Isso reforçaria essa inserção com qualidade e variedade de ferramentas.

Anid: Como coordenadora do GEJAC, você já pode pesquisar sobre os novos recursos tecnológicos que auxiliam na acessibilidade e, por conseguinte, nas atividades educativas para estudantes cegos. Quais os principais métodos e os equipamentos que são hoje utilizados nesse processo?

Joana Belarmino: Nós não pesquisamos ainda essa questão. Nossa preocupação, no GJAC, tem se centrado no webjornalismo, no uso das redes sociais, e nos modos como as pessoas cegas forçam as mídias comerciais a agendarem suas demandas. Na universidade, temos acompanhado e dado consultoria a projetos importantes, como os desenvolvidos pelo Lavid, no campo da audiodescrição de conteúdos, assim como aplicativos para decodificarem em Libras, conteúdos midiáticos e cinematográficos.

Anid: Você considera que os estudantes cegos conseguem interagir com maior facilidade com os outros estudantes através das TICs?

Joana Belarmino: Sim. Eu diria que hoje é possível fazer quase tudo, na área do áudio, do texto, o grande desafio ainda é o acesso às imagens. A audiodescrição, que é a descrição de imagens em pistas verbais, ainda não está disseminada no plano da internet e das tecnologias em geral. Mas, a síntese de voz é uma grande ferramenta que permite uma interação em pé de igualdade. A síntese de voz está não apenas nos ambientes dos computadores, mas nos smartphones, permitindo que as pessoas cegas possam usar telas toch com muita autonomia.

Anid: Pode citar alguma experiência na área?

Joana Belarmino: Um grupo de cegos brasileiros e de outros países tem se especializado em criar audiogames para cegos, a lógica é diferente. Nesses audiogames, são valorizados o som, o espaço da tela, e eles conseguem atuar com esses jogos com muita desenvoltura. É um campo novo e fascinante, sobretudo para crianças e jovens que são os públicos alvo.

Anid: Quais os pontos mais positivos de se utilizar das TICs no desenvolvimento de atividades pedagógicas com jovens e crianças deficientes visuais?

Joana Belarmino: Creio que um ponto positivo é a inclusão. É o trabalhar em pé de igualdade com os outros. As TICS ampliam as possibilidades de acesso a ambientes, recursos, bibliografias, processos que não seriam possíveis sem elas.

Anid: Como avalia a questão da acessibilidade nas escolas hoje?

Joana Belarmino: Eu diria que estamos engatinhando. Difícil responder, porque o país é muito amplo, o número de escolas é muito grande, mas diria que estamos ainda engatinhando. Há um longo caminho a percorrer, mas o ministério público, as organizações de pessoas cegas, têm estado atentas para que as leis sejam cumpridas. Em alguma medida, os governos têm trabalhado para dotar as escolas de espaços com recursos tecnológicos e adaptações, mas ainda há muito a se fazer.

Anid: Em linhas gerais, qual a importância das TICs numa educação plural e inclusiva?

Joana Belarmino: Elas alinham a educação especial a um projeto global de educação, naquilo que ele deve ser: inclusivo.

Anid: As novas tecnologias contribuem efetivamente com o aprendizado de alunos com deficiência visual? Em que proporção?

Joana Belarmino: Creio que na mesma proporção que contribuem para o aprendizado dos alunos não cegos. As TICS propiciam a aquisição de competências indispensáveis no mundo moderno. Insisto entretanto, que elas devem ser complementares ao ensino do braille, da matemática, do domínio das línguas. Para uma crianças cego-surda por exemplo, uma TC como a linha braille, que substitui a tela do computador, e codifica todos os conteúdos em braille, é fundamental para o aprendizado dessa criança.

Anid: Através da inclusão digital os deficientes visuais podem almejar galgar novos espaços e ter um convívio mais integrado com o conjunto da sociedade. Como isso pode ser facilitado e qual o papel das instituições educativas nesse processo?

Joana Belarmino: Não tenho dúvidas. As instituições precisam investir na formação dos educadores, e, na criação de uma cultura aberta ao uso das Tics. Do ponto de vista do mercado de trabalho, há muito a ser feito. Os sistemas de dados precisam estar adequados e acessíveis. As bibliotecas ou mesmo os serviços comunitários como quiosques e cibercafés, do mesmo modo, precisam acolher as pessoas com deficiência. Idem para os sistemas bancários, assim como para a cultura. A acessibilidade depende fundamentalmente de tecnologias, em todas as áreas.