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Computação quântica é a evolução natural dos computadores

Chega-se ao fim da evolução tecnológica?

A computação, como a conhecemos hoje, está na iminência da estagnação caso as pesquisas não evoluam para a miniaturização dos processos. A humanidade praticamente alcançou o patamar máximo de processamento no menor espaço físico conhecido. Quer dizer, não há mais como diminuir o tamanho de um chip, nem espaço para acrescentar-lhe procedimentos. Chega-se à nanotecnologia; ao nível atômico; o cenário quântico.

Isso é o que dizem pesquisadores da física quântica que participaram da III Escola Avançada de Informação e Computação Quântica realizada em João Pessoa. Segundo o presidente da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba (Fapesq), Cláudio Furtado, a mecânica quântica detém os fundamentos e princípios para a viabilização da computação quântica, o patamar natural para onde a computação deverá evoluir. “A computação clássica se desenvolveu até encontrar, atualmente, um limitador natural para a continuidade de sua evolução. O ambiente que deverá gerar avanços, daqui para frente, está nos processos quânticos, onde o átomo se movimenta”, alegou Furtado.

Para Furtado, o futuro quântico é tão previsível quanto qualquer coisa na ciência, por isso é imprescindível ter recursos humanos capazes de desenvolver essa área tanto na parte teórica quanto experimental. Ele dá um exemplo:

“No final da década de 1990, início dos anos 2000, estudávamos um efeito em física chamado ‘Poços Quânticos’, que hoje compõe essa tecnologia de telas de TVs OLED. Naquela época, achávamos que isso não teria uma aplicação rápida; menos de 15 anos depois vemos essa aplicação na fabricação de telas de TV.” A tecnologia OLED é um sistema quântico aplicado nos pontos que formam a imagem dando maior nitidez consumindo menos energia.

“São inovações, por vezes, disruptivas – continua Furtado – as quais se descobre um novo processo e o controle de uma série de questões. Por isso devemos estar preparados. Algo que aparentemente está muito à frente não levaria players mundiais a investir.” (No caso, grandes empresas como Google e IBM desenvolvem protótipos baseados em princípios quânticos).

Alcançou-se o tamanho do átomo

Os sistemas eletrônicos evoluíram com o surgimento do transistor. Nesse período, em meados da década de 1960, o cofundador da Intel, Gordon Moore, anunciou que a cada 18 meses a capacidade de processamento dos computadores iria dobrar, enquanto os custos permanecem os mesmos. Essa previsão se cumpriu, tornou-se a Lei de Moore e a curva é cada vez mais exponencial, mais rápida.

Paralelamente, a pesquisa quântica começa no início do século XX e leva à descoberta de novos fenômenos (a questão do tele transporte, do emaranhamento, que é fundamental para a computação quântica). O próprio transistor foi uma invenção a partir da mecânica quântica e está na base dos produtos eletrônicos que surgiram. Cláudio Furtado afirma que quando se fala que o PIB americano é 70% formado por mecânica quântica, isso vem dos royalties provenientes das inovações feitas nessa área.

Pós-Doutorado em Harvard, Vladimir Gritsev – pesquisador em física quântica elucida o que ocorre na evolução tecnológica:

“Em um mesmo espaço, num chip, por exemplo, há um incremento de elementos tornando-o mais e mais potente. Teoricamente, há um acréscimo de densidade, tornando o espaço menor e menor, o que alcançou hoje a escala de 10-8metro, chamado como nanômetro. O tamanho do átomo é 10-10 metro, ou 1 angstrom. Um átomo é tão pequeno, que pode alinhar 10 milhões de átomos sobre um milímetro.

A diferença a que se chegou é apenas algumas centenas de átomos, quer dizer, os elementos ficaram tão pequenos que se aproximaram do tamanho de um átomo. E quando isso acontece, nessa escala, os efeitos quânticos estão ali naturalmente. É preciso aplicar os efeitos quânticos nos elementos porque eles estarão se comportando, agora, naturalmente nesse ambiente. Esse é o motivo pelo qual precisamos dominar os efeitos quânticos.

Há ferramentas que descrevem corretamente os efeitos quânticos em um átomo isolado; a dificuldade está em identificar os processos quando há muitos átomos. Eles interagem; o comportamento de vários átomos juntos é diferente dele isolado. É como olhar para um indivíduo, uma pessoa. Mas olhar para a sociedade como um todo é diferente.

A computação quântica exige a construção de novos dispositivos completamente diferentes desses antigos. Da mecânica quântica serão construídos novos dispositivos quânticos, com funções inimagináveis. A segurança na comunicação entre dois dispositivos, por exemplo, já é feita – a criptografia quântica.”

O gargalo do desenvolvimento tecnológico

Cláudio Furtado acrescenta que elementos como os compostos de carbono, o grafeno, o fulereno, estão nessa faixa manométrica. E quando se chega nessa escala, os processos tem que ser ditados dentro do átomo; nessa escala, o computador não pode mais seguir a lógica de uma máquina de Turing, baseada num cenário binário. Ela vai ter que obedecer a lógica na qual os spins, os elétrons vivem. Esses entes vivem no mundo quântico, então, você precisa seguir fazendo os processos nesse mundo natural.

Para quebrar a curva da Lei de Moore e possibilitar a inserção de vários processamentos concomitantes em uma região pequena, você terá que ir para essa escala e ter esse novo cenário. Uma mudança radical. Se você evolui para ir para um sistema microscópico, ele vai funcionar muito melhor se trabalhar na lógica que ele funciona, no espaço que ele tem para existir.

O desenvolvimento tecnológico chegou a um gargalho, a uma encruzilhada. Tem que aparecer algo novo. Se a humanidade quiser ir mais à frente precisará adentrar um campo que ainda tem muito a ser explorado.

Estado quântico: o gato está vivo-morto e o bit clássico

A computação quântica tem desafios teóricos e práticos, para Cláudio Furtado. Ele começa o tema explicando uma teoria básica:

“O estado quântico é representado pelo famoso paradoxo EPR (Paradoxo de Einstein-Podolsky-Rosen); entra na equação do Gato de Schrödinger (Erwin Schrödinger. 1887-1961). É um experimento teórico que ilustra a complexidade da mecânica quântica e da matemática necessária para descrever os estados quânticos.

Você tem um gato dentro de uma caixa lacrada, ligada a um dispositivo que tem uma probabilidade de impregnar o recipiente de veneno, ou não. Então, pensando classicamente, se houve emissão de veneno, o gato estará morto. Se a partícula não emitiu veneno, o gato está vivo.

Mas do ponto de vista quântico, se tem uma combinação dos dois estados. O gato está vivo e morto, o que se chama combinação linear: o conjunto de parâmetros que determina o gato, seu estado físico, é uma mistura de vivo e morto. No pensamento quântico, quando você abre a caixa e olha para o gato morto, você interfere no sistema. Você trouxe o gato vivo-ou-morto para o estado morto. Ao olhar para o gato, você interage com o sistema, então, isso modifica o estado. O sistema é determinista e probabilista. Você tem uma probabilidade de 50% de o gato estar vivo e de 50% dele estar morto. Na mecânica quântica, essa seria a resposta. Na mecânica clássica ele estaria ou vivo ou morto.

O bit é um sim ou um não. Não há um meio termo. Na computação clássica se tem o zero e o um. O estado quântico é uma combinação. Na computação quântica tem-se o estado zero e o um juntamente com todos os estados entre esses dois, que levam do zero até o um. Tinha-se um sistema que era binário e passa-se para um sistema cuja base é infinita. A quantidade de operações que se pode fazer nessa base é muito grande, comparado com a probabilidade limitada de 2 elevado à 2 (o caso do zero-um).

Essa é uma das razões pelas quais é tão difícil controlar o processo da computação quântica, porque a computação quântica pressupõe o estado quântico por trás; ao medir, você altera o sistema, tem uma série de questões; a base dos estados é infinita, tem-se uma probabilidade que varia do zero até o um. É como se fosse um círculo interminável. Há um espaço de parâmetros mais rico para o sistema viajar.

Já se manipula algumas coisas nessa área quântica, mas qual é o nó: é “encaixotar” de forma que funcione. Como será o chip quântico? Como será a máquina quântica? Paradigmas tecnológicos terão que ser quebrados. Uma ruptura tecnológica.

Os céticos duvidam, mas muita coisa já caminhou.”

Cláudio Furtado e Vladimir Gritsev participaram da III Escola Avançada de Informação e Computação Quântica, realizada a cada dois anos, em João Pessoa, na Paraíba, pela Associação Nacional para Inclusão Digital (Anid), Governo do Estado da Paraíba e Universidade Federal da Paraíba, com apoio do Comitê Gestor para Internet no Brasil e do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (CGI.br/NIC.br).